Primeira lição de Defesa Contra as Artes das Trevas — O Monstro da Atenção | Parte I
Eu também, Moody. Eu também.
Pode-se compreender a atenção assim:
Há dois tipos de atenção:
atenção espontânea
atenção voluntária (ou artificial)
"(...) a atenção espontânea tem suas raízes nas profundezas de nosso ser." (Théodule Ribot)
A atenção espontânea é aquela que movimenta, espontaneamente, sem esforço, seus sentidos e seu corpo em direção a um objeto.
Ao ouvir seus vizinhos — um casal — discutindo a berros, você se põe em direção à janela, à porta mais próxima, cola a orelha nas paredes, procura qualquer lugar em que dê pra ouvir melhor a brutal discussão, e presta atenção.
Em meio ao fluxo incessante de imagens que caracteriza o funcionamento da mente, de vez em quando (sim, só de vez em quando...!), nos ocorre "açaí" ou "x-bacon" e, de repente, a atenção: o objeto, fonte de um interminável prazer de 15 minutos toma todo o nosso espaço mental. A língua e o estômago argumentam, a consciência tenta aconselhar e geralmente perde a batalha. Você pega o celular e vai fazer um pedido pelo ifood.
Ao contemplar o céu noturno, você repara num ponto luminoso em movimento, e presta atenção.
O casamento da Sandy chegou ao fim, e lá vamos nós com a nossa atenção.
Atenção espontânea: quando você é levado, espontaneamente, a voltar todo o seu ser a apenas um objeto, a um só objetivo.
“A atenção voluntária ou artificial é produto da arte, da educação, de treino, de adestramento.” (Théodulo Ribot)
A atenção voluntária ocorre quando, à força, ordenamos a presença de um objeto em nosso espaço mental. Tentamos nos voltar, com esforço, a algo — à matéria da prova, à conversa desinteressante, ao romance que prometemos ler até o fim do mês (ou do ano).
Você se debruça sobre o texto, decidido, lê o primeiro parágrafo e, sem nem perceber, desvia a atenção do livro, e se pega olhando para o vento, retomando da memória alguma cena prazerosa, ou uma conversa difícil de há três anos que insiste em permanecer nos seus pensamentos — para voltar ao texto, é preciso “forçar”.
Assim, é fácil perceber: a atenção voluntária é a “supressão” da atenção espontânea, ou melhor, é o seu direcionamento, com intensidade e duração, a um objeto voluntariamente escolhido como foco.
É essa a atenção que nos causa problemas. É essa que temos mais dificuldade para controlar, e é essa de que mais precisamos para realizar nossos estudos, nosso trabalho, nossas maiores aspirações, e até para meter o shape.
Quando se trata da atenção voluntária, existe algo além do interesse, do desejo e da curiosidade espontânea em jogo. É preciso algo mais.
Se você se queixa de não conseguir prestar atenção, é da sua dificuldade em manter a atenção voluntária que você reclama.
Atenção voluntária: o esforço voluntário de orientar sua mente a um objeto que não é (plenamente) atrativo para você naquele momento.
Por enquanto, chega de teoria.
Algumas notícias:
Só prestamos atenção no que nos interessa.
Se a atenção espontânea tem suas raízes nas profundezas do nosso ser, a atenção voluntária tem suas raízes na atenção espontânea.
A atenção voluntária exige treinamento.
Para treinar a atenção voluntária, precisamos que os objetos da atenção voluntária se tornem tão atrativos quanto os da atenção espontânea.
O treino da atenção voluntária será o tema da próxima lição.
Já que a atenção voluntária dependerá da atenção espontânea, ou seja, é o produto da atenção espontânea treinada, partamos do princípio:
Comece a prestar atenção no que você presta atenção. Acenda sua consciência e tente notar: o que chama a sua atenção, agradando ou desagradando? Quais objetos movimentam seu corpo e seu espírito, sejam eles internos (pensamentos, emoções, fantasias) ou externos (sons, cores, assuntos, objetos materiais)?
Quais são os objetos da sua atenção espontânea?
Volte com uma lista para a próxima lição, e estão dispensados.
REFERÊNCIAS
Théodule Ribot. Psicologia da Atenção. Campinas: Kirion, 2022.
Tema muito oportuno em mais uma ótima lição de autoexame e autoconhecimento! Como já dito pelo nobre colega: esperamos ansiosos pela próxima aula.
Excelente lição! Aguardo ansioso pela próxima.